Poucas são hoje as pessoas que, em Portugal, podem sair de suas casas à noite e ver a Via Láctea. Provavelmente menos ainda saberão que essa não é uma consequência da vida moderna nas cidades, mas sim fruto de uma iluminação excessiva.
Qualquer manual básico (escolar, por exemplo) que aborde os temas da poluição referirá, bem, a poluição atmosférica, a poluição da água, a poluição sonora, o impacto dos plásticos no ambiente ou as alterações climáticas. Mas nem todos referem ainda a poluição luminosa, ou remetem-na para uma categoria menor. Tal ausência ou subestimação, hoje, só podem ser compreendidas como um desconhecimento que urge suprimir.
A falta de regulamentação dedicada e de atenção para a problemática e para os impactos do excesso de luz artificial no ambiente levou a que, por regra, impere o desordenamento e o excesso na iluminação de exterior no país (pública, cénica, ecrãs LED publicitários ou outra).
São cada vez mais os estudos que se dedicam exclusivamente a esta temática em áreas que vão do ambiente à saúde, passando pela modelização da propagação da luz na atmosfera, pela contribuição para as alterações climáticas ou pelo dispêndio supérfluo de energia. Nunca houve dúvidas do impacto na astronomia, mas já não restam também hoje quaisquer dúvidas dos impactos em diversas espécies e são cada vez mais os estudos que indiciam prováveis efeitos na saúde. A descoberta, em 2002, de um terceiro tipo de células na retina, denominadas ipRGC, que têm como função exclusiva a deteção de luz ambiente, originou linhas de investigação direcionadas para os efeitos da luz no ser humano.
Em condições de luz natural, as ipRGC transmitem a informação (ao hipotálamo) indicando se é dia ou se é noite. Ao entardecer, o hipotálamo fornece a ordem de produção de melatonina, hormona responsável pela regulação do sono, com propriedades antioxidantes e de proteção do sistema imunitário. Na presença de luz artificial a sua produção pode ser retardada, diminuída ou inibida, provocando desde logo a alteração do ritmo circadiano (o ritmo biológico de aproximadamente 24h). Sendo campo de investigação recente, subsistem incertezas sobre a quantidade e o tipo de luz, o tempo de exposição, a hora da exposição, os cronotipos mais sensíveis, bem como a variedade e severidade das patologias que pode induzir, acelerar ou agravar.
Sucede que grande parte dos LED brancos possui, na sua gama de comprimentos de onda, uma elevada percentagem de componente azul que coincide em parte com a maior sensibilidade circadiana, perturbando a produção de melatonina. Apesar de pensamento dominante ainda contrário, a sua luz tem maiores impactos na qualidade do céu noturno e nos ecossistemas do que a luz âmbar/laranja dos LED pc-âmbar ou das lâmpadas de vapor de sódio. Só por isso, a instalação de LED brancos deveria ser questionada.
Na Escola Superior de Saúde (ESS) do Politécnico Porto faz-se não só investigação na área da modelização da propagação da luz na atmosfera, mas também a monitorização do céu noturno da cidade do Porto com equipamento dedicado, em colaboração com a Universidade de Santiago de Compostela (Galiza) e com a Universidade Complutense de Madrid, para além de uma estreita cooperação com grupos de investigação multidisciplinares nacionais e internacionais.