Os Estudos de Género contemporâneos prestam especial atenção às vozes das mulheres silenciadas e às práticas ignoradas do seu quotidiano, problematizando o que sucede — ou pode suceder — quando a essas mulheres é permitido não só possuir um espaço social próprio (“a room of their own”, para citar Virginia Woolf), mas também uma voz própria.
A hegemonia de género, sob a qual ainda e sempre vivemos, evoca por vezes o orientalismo de Edward Said, essa representação artificial daquilo que o não-oriental transformou em símbolo, em estereótipo, de todo o oriente, nomeadamente quando Said recorda a frase de Karl Marx: “Eles não podem representar-se a si próprios; têm de ser representados.” E isto também se aplica à representação essencialista da mulher, construída através de estereótipos eternizados pelos media, pela cultura popular e pelos discursos da sociedade em geral, espelhando a teoria de Said de que os indivíduos dominados (as mulheres, tal como os “orientais”) nunca falam de si mesmos, têm de ser representados, alguém tem de falar por eles.
Mas como poderá o relato da vida quotidiana contribuir para os Estudos de Género, na atualidade? A vida quotidiana manifestar-se-á de modo similar nos centros e nas periferias do sistema capitalista global? Como se inscrevem as possibilidades de emancipação nas práticas quotidianas de indivíduos e de grupos específicos, com os seus potenciais de autonomia, de dissidência ou, pelo contrário, de conformismo? Que implicações têm recentes as transformações e as velhas continuidades na vida quotidiana, na definição das identidades e nos poderes de género?
Baseado no conceito de capital cultural de Pierre Bourdieu, André Lefevere demonstrou como os discursos atuantes numa cultura podem sofrer todo o tipo de variações de status, tanto temporal como intercultural. Ao discutir as questões de género na tradução, também Sherry Simon salienta que os espaços que, em tempos, foram identificados como sendo universais (tal como o cânone literário, o espaço público democrático ou o ideal de cidadania) foram agora expostos como sendo essencialmente expressivos de valores masculinos, brancos, europeus e de classes privilegiadas.
Por esta razão, as histórias de vida, os estudos de caso e as entrevistas com mulheres de todas as idades, habilitações e proveniências deverão ser considerados materiais sérios e valiosos para os Estudos de Género, capazes de gerar teorias realmente abrangentes. As narrativas anteriormente silenciadas das mulheres, em geral, e das mulheres não-brancas, não-europeias, não- privilegiadas, em particular, devem receber um novo papel numa grelha cultural moderna, transnacional e interdisciplinar, em que as pequenas vozes se sobrepõem aos grandes livros e o espaço privado se sobrepõe ao espaço público, fazendo emergir as narrativas do quotidiano comum, lidas e descodificadas no seu próprio contexto.
Quando se escutam as vozes das mulheres e as suas histórias de vida, conhecem-se as suas verdadeiras experiências, certezas, incertezas e necessidades. Porque as narrativas de vidas reais — produzidas por seres humanos com uma voz, um rosto e um nome — criam espaços de empatia e, consequentemente, os projectos de ação e de investigação daí decorrentes alcançarão resultados e objetivos efetivamente úteis.