"Desigualdade do rendimento e pobreza em Portugal" é o título do estudo que a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) publicou esta semana. Como se lê na introdução, o estudo visa uma avaliação rigorosa das consequências sociais da crise que Portugal atravessou entre 2009/14, bem como uma análise "das medidas implementadas pelas autoridades públicas para lhes fazer frente".
Não é frequente na nossa cultura que as políticas públicas sejam alvo de avaliações independentes de caráter científico, nem que exista empenho de organizações, como a FFMS, em gerar conhecimento que ilumine e melhore a decisão política, divulgando-o gratuitamente para que o mesmo motive a reflexão e mobilize o debate crucial à democracia.
As conclusões do estudo são pesadas e em contracorrente com alguns mitos que serenavam a boa consciência de muitos: todos os indicadores de pobreza agravaram-se durante a crise. A evolução dos rendimentos, entre 2009/14, atesta que 10% dos mais ricos perderam 13% do seu rendimento, enquanto 10% dos mais pobres perderam 25%. O número de portugueses mais pobres aumentou para 2,02 milhões de pessoas. Mas não foi só este o indicador que se agravou; também a intensidade da pobreza aumentou 30%: "os pobres estão ainda mais pobres".
Entre os pobres, as crianças e os jovens foram os que mais sofreram: em 2014 um quarto das crianças estava em situação de pobreza (24,8%).
Estes números não são, em si, uma surpresa. Diversas organizações no terreno vinham gritando esta realidade brutal que tem pouco tempo de permanência nas caixas de notícias dos média e numa opinião pública light e fast. Em 2015, a Eurostat publicava dados, referentes a 2014, em que 122 milhões de pessoas (24,4% da população) na EU estavam em risco de pobreza e exclusão social, tal como 27,5% da população portuguesa.
O estudo da FFMS exibe um elemento capital: a articulação da desigualdade com a pobreza e de ambas com as políticas denominadas de austeridade.
Para lá do cerne da questão — a tragédia humana — a pobreza é um custo: afeta a coesão política, a estabilidade, o desenvolvimento económico. A uma luz racional, as políticas sociais são um investimento, não um encargo ou uma despesa.
A sustentabilidade do Estado social exige rigor compaginável com as finanças públicas. E o rigor deve radicar numa visão integradora dos problemas, em reformas estruturantes contra paliativos, em políticas persistentes, monitorizadas e avaliadas.
A pobreza também é uma opção.
link para o JN