O Auditório Vítor Santos do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) recebeu, no passado dia 23 de novembro, a conferência Relatório Draghi: Uma Leitura Nacional em Fase de OE25.
O evento abriu com a intervenção de boas-vindas do Presidente do Politécnico do Porto, Paulo Pereira. O Presidente do P.PORTO considerou o Relatório Draghi como "um documento estruturante para a nossa vida futura, para a Europa e para Portugal", que promove "positivamente a discussão pública e alargada em todos os domínios que impactam na nossa vida social". Paulo Pereira assumiu ainda o compromisso do Politécnico do Porto com a região, o país e a estratégia europeia, aproveitando para reconhecer "o relevo que este 'velho território' tem no nosso futuro coletivo e na sua autonomia estratégica na construção de uma sociedade melhor". Em súmula, "um agitar de águas".
Em relação ao papel das Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o processo, Paulo Pereira defendeu que as IES "contribuem decisivamente para a produção de conhecimento, desenvolvimento tecnológico e prosperidade das sociedades", mas que deve haver uma maior articulação entre o mundo académico e os setores empresariais. Com efeito, "uma das maiores dificuldades da União Europeia (UE) é a transferência de investigação e inovação para a economia", por isso, as IES devem fomentar "a actividade de investigação e inovação em estreita colaboração com a indústria, estimular a criação de empresas spin-off, apoiar a criação de empresas de base tecnológica, criar espaços de pré-incubação de empresas". Mas tudo isto só se consegue "com um forte investimento público e privado".
As linhas gerais do Relatório Draghi foram depois apresentadas pelo Principal da EY-Parthenon, Hermano Rodrigues, e pelo Administrador do Politécnico do Porto, Paulo Ferraz. Cerca de 70% da diferença entre o PIB per capita da UE e dos EUA é explicada pela produtividade e o crescimento mais lento da produtividade tem sido associado a um crescimento mais lento do rendimento e a uma procura interna mais fraca da Europa.
Por isso, e para Paulo Ferraz, "uma das questões mais relevantes no relatório é a questão da produtividade". Como tal, "grande parte das medidas [do relatório] tende a concretizar uma melhoria substancial da competitividade através da produtividade e outros fatores, designadamente, a descarbonização e um maior investimento nas empresas". O Administrador do Politécnico do Porto elencou ainda os três grandes desafios que a Europa enfrenta: a inovação, e "a necessidade de encontrar novos motores de crescimento"; a energia, e "o modo como o seu custo impacta o preço final dos produtos", bem como a necessidade de "mudar para uma economia circular"; e a difícil situação geopolítica, a que não é alheio o reforço do investimento na defesa, que coloca a Europa mais próxima dos dois grandes focos de tensão atuais e que "transforma as dependências em vulnerabilidades".
Continuando a apresentação, Hermano Rodrigues aprofundou o tema da descarbonização como uma "oportunidade para a Europa baixar os preços da energia e assumir a liderança em tecnologias limpas, nas quais é líder". Um dos maiores entraves é que "não é garantido que a procura de tecnologias limpas por parte da UE seja satisfeita pela própria oferta dos país comunitários", considerando a crescente capacidade e escala das empresas chinesas. "O risco de sermos muito competitivos em tecnologias de descarbonização, e depois não termos indústria para descarbonizar, é grande", vaticinou. Para o Principal da EY-Parthenon, outro ponto fundamental do relatório é o aumento da segurança e a redução das dependências. "A deterioração das relações geopolíticas cria nova necessidades de despesas com a defesa e a defesa da própria capacidade industrial". Graças a um período prolongado de paz na Europa, apenas dez Estados-Membros gastam agora 2% ou mais do seu PIB em defesa, em conformidade com os compromissos da NATO. Assim sendo, a "indústria da defesa necessita de investimentos maciços para recuperar o atraso". Isto só se faz com uma forte cooperação europeia, em que "a redução das dependências nas áreas-chave em que a Europa está mais exposta, permitirá beneficiar de uma maior autonomia de decisão".
Em relação a este ponto, importa sublinhar que os gastos globais em defesa aumentaram substancialmente em 2023, com o total das despesas militares a atingir mais de dois mil milhões de euros, um aumento de 6,8% em relação a 2022, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo divulgado em abril deste ano. Os maiores gastadores, sem grande surpresa, são os EUA, a China e a Rússia. Em 2023, os 31 membros da NATO (ainda sem a Suécia, que só integrou a Aliança Atlântica, como 32.º membro, em 2024) representaram 55% das despesas militares mundiais, o que equivale a cerca de de 1,260 mil milhões de euros — dos quais 860 mil milhões dizem respeito à despesa norte-americana. Já em abril deste ano, Enrico Letta, antigo primeiro-ministro italiano, que viria a ser mencionado por um dos oradores, apresentou um relatório em que defendia dívida conjunta com planos de reembolsos claros, empréstimos em condições favoráveis e apoio do Banco Europeu de Investimento para financiar o investimento da UE em segurança e defesa.
O debate que se seguiu, e que pode ser visto integralmente no vídeo em rodapé, juntou um painel de convidados muito especializados com moderação do redator principal do Público, o jornalista Manuel Carvalho: a CEO da Euronext Lisbon, Isabel Ucha; o economista e ex-Secretário de Estado da Economia, João Neves; o Vice-Presidente da CIP e Presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro; a Presidente do Conselho de Finanças Públicas, Nazaré da Costa Cabral; e o economista, ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social e ex-Presidente da CCDR-Norte, José Silva Peneda.
Manuel Carvalho começou, no seu enquadramento do tema, por referir a apresentação anterior, de Paulo Ferraz e Hermano Rodrigues. "Basta ver a apresentação que foi aqui feita para percebermos como este 'segundo momento Draghi' pode ser tão desafiante e tão importante para o nosso continente e para o nosso país como foi aquele, de julho de 2012", quando Draghi disse que o Banco Central Europeu (BCE) defenderia o Euro "custasse o que custasse". Mas o jornalista do Público, que moderou o debate, tem dúvidas se o relatório será capaz de produzir "a mesma dinâmica e a mesma capacidade de mudança".
A primeira oradora, Nazaré da Costa Cabral, confessou uma "certa sensação de desencanto" após a leitura do relatório, que em matérias como a computação na cloud mostra uma Europa "irremediavelmente atrasada" em relação aos EUA. Quanto às implicações para a economia portuguesa, o sentimento é de "intranquilidade", por força de "aspectos de grande preocupação". A Presidente do Conselho de Finanças Públicas sublinhou o esforço de Ursula von der Leyen em lançar "uma nova política industrial à escala europeia", com instrumentos normativos como o Net-Zero Industry Act, e reforçou que a ideia de descarbonização está muito ligada às questões tecnológicas. Para a jurista e economista, há três ideias-chave no relatório: a escalabilidade, a integração sectorial e a clusterização da economia europeia. O primeiro ponto prende-se com o reforço pleno do mercado interno europeu, "que não está concretizado", por força da fragmentação regulatória, o que impede que as empresas ganhem escala continental, por oposição a estarem apenas no seu mercado nacional. A segunda ideia diz respeito à verticalização dos "mecanismos de integração entre as várias indústrias", tendo dando como o exemplo a IA, que permitem "ganhos de escala". E o terceiro ponto, o que mais acentua as suas "preocupações em relação a Portugal", é a aglomerização das indústrias em clusters regionais, "geograficamente muito bem definidos" em países como Alemanha, Dinamarca, França e Países Baixos, que funcionariam, por um lado, como "fatores de atração de ciência, negócio e recursos", mas que, por outro lado, poderiam também significar a "quebra da coesão e a periferização de outras zonas", como Portugal.
Seguiu-se João Neves que começou por considerar o tema como "vasto e interessante", o que dificulta uma resposta clara à pergunta inicial do moderador — pode este relatório ter o mesmo efeito do que a declaração de Draghi, no auge da crise financeira, que salvou o Euro? E a resposta, para este economista, é política. "É interessante ver é que é na área do centro-esquerda, com muitas aspas, que há uma reflexão sobre as dificuldade da Europa e sobre os caminhos que pode trilhar", disse, em referência ao Relatório Draghi e ao Relatório Letta. O ex-Secretário de Estado da Economia acusa a "presença de forças de extrema-direita" nos governos, ou "pressionando a direita tradicional", que busca "forças de identidade num território à sua direita", pelo deteriorar das condições para refletir à escala europeia, virando as discussões nacionais para o contexto interno. Por isso, e olhando aos "responsáveis que poderíamos antever para dar corpo às iniciativas políticas que vão ser necessárias", admite não estar muito otimista em relação aos resultados concretos do relatório. Em relação ao desnivelamento entre EUA e Europa, o diagnóstico é sucinto: "Os níveis de investimento são diferentes e produzem resultados diferentes na trajetória da produtividade." Pegando no exemplo português, João Neves discorda que se centre na taxa de IRC a discussão sobre como enfrentar as dificuldades económicas. Admitindo que a taxa efetiva é elevada, e que poderá ter tendência a ser diminuída: "Não é por aí que temos dificuldades estruturais." O principal fator, defende, é a "presença internacional das nossas exportações, com grande peso no PIB".
Isabel Ucha tomou depois da palavra e, em traços gerais, considera que o relatório é "um grande alerta" e de "uma enorme crueza e dureza" porque evidencia, "meticulosamente e com indicadores quantitativos detalhados", ao longo de muitas páginas e abordando vários setores, "o atraso da Europa face ao avanço de outras regiões". Resumidamente, "todos temos de fazer diferente" porque "a fazer mais do mesmo, não vamos melhorar". Centrando a sua intervenção no tema da poupança e do financiamento, a economista recusou a ideia de que a Europa tem falta de poupança para se financiar, sendo esta superior ao total da poupança norte-americana. A diferença está na "forma como a poupança é canalizada para o investimento". Tendencialmente, os europeus colocam as suas poupanças em depósitos e títulos de dívida pública de baixo risco e fraca, ou nula, rentabilidade. Sendo o crédito bancário a maior parte do financiamento, não pode ser o único instrumento, sobretudo "quando queremos financiar inovação e capital de risco". Além disso, o crédito bancário "não é o mais adequado em muitas circunstâncias", nomeadamente quando os ativos são mais intangíveis do que tangíveis, logo, há uma menor preparação do sistema bancário para a economia digital, fundamental para alavancar a Europa. Assim sendo, a CEO da Euronext Lisbon destaca o papel muito importante do financiamento da Segurança Social e dos planos de pensão: "Na UE, os fundos de pensão representam 32% do PIB, nos EUA representam 142%." Inverter a situação significaria que os fundos de investimento e os fundos de pensão "canalizariam poupança em capital de empresas e títulos de longo prazo" que chegariam onde o crédito bancário não consegue. Os países europeus mais bem preparados neste ponto específico são os Países Baixos, a Dinamarca e a Suécia, sendo que este último, no entender de Isabel Ucha, tem ainda um "sistema de tributação extraordinariamente simples".
O orador seguinte foi Luís Miguel Ribeiro, que começou por referir que, já em 2020, a AEP e a CIP apresentaram o documento Portugal Industrial 5.0 - Programa Estratégico para a Valorização da Indústria Portuguesa e que, ontem como hoje, a produtividade "deve ser o centro da discussão dos desafios que temos no nosso país e que as empresas enfrentam". Mas, para resolver o problema da produtividade, há um conjunto de variáveis de difícil resolução e a demográfica é "muito relevante para o tema", acentuando o fosso entre a Europa e os EUA, a China e a Índia. "É preciso que o sistema de financiamento tenha subjacente uma cultura de risco", defende, e que dependa menos da banca, uma vez que o sistema bancário "é muito conservador e olha mais para o passado do que para o futuro". Quando alguém precisa de financiamento, a análise é feita com "base no historial e não olhando ao business plan e ao potencial do projeto". No caso português, o Presidente da AEP lamenta que o país tenha milhares de milhões disponíveis para impulsionar este investimento e que não estejamos a ser "capazes de os colocar no terreno", ao serviço da economia e das empresas. O diagnóstico é simples: "Temos os instrumentos, a análise está feita, os problemas identificados. Estamos em reflexão sobre o que já sabemos", enquanto a China e os EUA "estão a andar". Para o também Vice-Presidente do CIP, uma questão "absolutamente fundamental" com "custo enorme para as empresas", mas que paradoxalmente será dos aspetos de resolução mais fácil e menos dispendiosa, é o excesso de burocracia e de regulação.
Por fim, mas de modo algum menos importante, a intervenção de José Silva Peneda. Pegando no "desencanto" de Nazaré da Costa Cabral e promovendo-o a "susto", sintetizou, de forma sumária, o que diz Draghi no seu estudo: "A manter-se a tendência atual, a Europa vai ser menos próspera, mais desigual e menos segura. Os valores fundamentais do projeto político europeu — a paz, a democracia, a liberdade — estão em risco." O assunto é tão sério, o susto tão grande, que configura "uma série ameaça ao estilo de vida que temos tido e ao modelo social e político que nos tem regido". Aflorando também a questão demográfica, o ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social lança esta e outras perguntas: "Como é que a Europa chegou aqui?" E partindo da proposta de Draghi de aumentar o investimento de 22 para 27% do PIB comunitário, questiona se há condições políticas para realizar o feito. Para começar, a ideia da dívida pública europeia tem a oposição de países como a "Áustria, Países Baixos e Alemanha". Energia? "Não temos mercado único de energia", o que faria baixar os preços. Porquê? "A França opõe-se." Assim sendo, o ex-Presidente da CCDR-Norte considera que os grandes obstáculos são políticos, "mais do lado do Conselho do que da Comissão", porque as políticas europeias têm graus variáveis de federalização. "A política monetária é federada, mas a orçamental não. Não se gere uma economia em que a política orçamental é fragmentada por 27 países", opondo este paradigma ao que encontramos nas outras duas potências. "Nos EUA e na China a política fiscal e a política comercial estão alinhadas", assegura. Por todas estas razões, considera-se "cético" em relação à capacidade política da Europa em se autoreformar e aponta o que faz falta: visão a médio prazo e com base nos valores fundamentais do projeto político europeu. A Europa tem de parar de esperar "pelo último momento" para resolver os seus problemas.
O público presente, ou a acompanhar pelo direto de YouTube do jornal Público, teve ainda oportunidade de colocar perguntas ao painel de oradores convidados. Havendo apenas tempo para algumas delas, o elevado número de participações atesta o interesse demonstrado por uma discussão e reflexão que continuarão a ser feitas nos próximos meses e anos.
Findo o debate, o Country Managing Partner da EY Portugal para Portugal, Angola e Moçambique, Miguel Farinha, e o Presidente do Politécnico do Porto, Paulo Pereira, assinaram um protocolo de colaboração entre as duas instituições. Depois das assinaturas, Miguel Farinha teve a seu cargo o encerramento da sessão e tomou da palavra, começando por comparar a autonomia regional entre os diversos ramos nacionais da sua empresa e os diferentes países da UE, ele que também é membro do European Board da EY. Como conciliar interesses e orientações diferentes numa união supranacional? A resposta não será fácil, mas Miguel Farinha admite que dá "muito mais valor hoje" do que dava antes ao que vê acontecer nas instituições europeias porque compreende "essa dificuldade". Concordando com Silva Peneda, o gestor diagnostica também o problema de cúpula: "Lideranças fortes definem caminho."
Em relação ao protocolo assinado entre a sua empresa e o Politécnico do Porto, considerou-a "um passo que liga as IES com o mundo empresarial e para nós faz muito sentido ajudar a colaborar nesse sentido". Este protocolo irá refletir-se em estudos conjuntos (o primeiro dos quais, um barómetro do sentimento económico do país, está já em andamento), em estudantes que poderão estagiar na empresa e no desenvolvimento de pós-graduações conjuntas, nomeadamente na área da gestão e das políticas públicas. "Para nós, EY, é uma parceria muito importante e um prazer enorme", rematou.
Todos os discursos, apresentações e intervenções da conferência podem ser vistos, na íntegra, no vídeo abaixo.
Em síntese, o Relatório sobre o Futuro da Competitividade Europeia, vulgo Relatório Draghi, apresentado no passado mês de setembro, cuja elaboração demorou um ano e cuja concretização se explana ao longo de 400 páginas, defende que a UE deve aumentar o seu nível de investimento económico em 800 mil milhões de euros, pedindo medidas "urgentes e concretas" que se traduzam num aumento anual, mínimo, de 5% do PIB comunitário. Caso contrário, o atraso poderá ser irreparável. Como o nome indica, o estudo é assinado pelo economista e político italiano Mário Draghi, antigo Presidente do BCE.
Na apresentação do Relatório Draghi, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que encomendou o estudo, focou-se em três aspetos principais: transição limpa e digital, descarbonização da indústria, preços da energia e redução da burocracia; investimento em competências para o cumprimento do ponto anterior, trazendo mais pessoas para o mercado de trabalho; resiliência nas cadeias de valor industriais mais robustas, segurança do abastecimento, acesso a matérias-primas críticas e a componentes essenciais.
O essencial desta conferência pode ser visto no vídeo em baixo, da autoria do Gabinete de Comunicação e Imagem do Politécnico do Porto.